Uma pergunta batida, mas o texto é do The New York Times traduzido por Paulo Migliacci na Folha de São Paulo em 02.03.2022:
“Qual é o melhor Hercule Poirot? Veja versões do detetive de Agatha Christie”
Personagem retorna na visão de Kenneth Branagh em ‘Morte no Nilo’
[02.mar.2022 às 17h00 – THE NEW YORK TIMES]
Hercule Poirot é um daqueles heróis literários, como James Bond ou Sherlock Holmes, cuja imagem brilha intensamente na imaginação popular. Desde sua estreia no romance “O Misterioso Caso de Styles”, de Agatha Christie, em 1920, até sua aparição final em “Cai o Pano”, publicado em 1975, o detetive belga sempre foi uma figura simples e distintiva.
“Um homenzinho pitoresco e engomado”, como escreveu Christie, “com pouco mais de 1,60 metro”, e uma cabeça “com o formato exato de um ovo”, um “nariz de ponta rosada” e “um enorme bigode, curvado para cima” –provavelmente o apêndice capilar mais famoso da literatura inglesa, e que a escritora mais tarde caracterizaria como o mais magnífico bigode da Inglaterra.
Christie escreveu mais de 80 romances e contos sobre Poirot, e quase todos eles foram adaptados para o cinema e televisão. Muitos atores interpretaram o papel ao longo dos anos, cada qual tentando imprimir sua marca pessoal ao personagem, como um ator de teatro buscando um novo ângulo para interpretar o rei Lear.
Tony Randall, em “Os Crimes do Alfabeto”, mistério cômico dirigido por Frank Tashlin em 1965, brincou com o personagem, exagerando o comportamento pomposo de Poirot em busca de risadas. Em contraste, Alfred Molina fez uma versão para a TV de “Assassinato no Expresso do Oriente”, em 2001, com um toque mais sutil e discreto, atenuando a extravagância às vezes quase caricatural do personagem. Hugh Laurie chegou a usar o emblemático bigode, para uma participação especial em “Spice World – O Mundo das Spice Girls”, e deixou que Baby Spice (Emma Bunton) escapasse impune de um assassinato.
Mas das dezenas de versões de Poirot que vimos nos últimos 100 anos, só algumas perduraram de fato e deixaram uma marca permanente no personagem. Essas são as interpretações que as pessoas têm em mente quando pensam sobre Hercule Poirot, e à sua maneira cada uma dessas versões parece definitiva, a seu modo. A chegada de “Morte no Nilo”, de Kenneth Branagh, aos cinemas nos oferece um pretexto para avaliar algumas das versões mais famosas e mais queridas.
— 1931-1934: Austin Trevor
Porque ele era jovem, alto e (imperdoavelmente) glabro, o elegante galã Austin Trevor representa um abandono conspícuo –ou imperdoável, diriam alguns– da descrição original. Ele estrelou em três adaptações das aventuras de Poirot entre 1931 e 1934, das quais apenas uma, “Lord Edgware Dies”, está disponível hoje (no YouTube). O retrato de Trevor, embora agradável dentro de seus limites, diferia o suficiente da descrição de Christie quanto ao protagonista para justificar um editorial desancando os filmes na revista Picturegoer Weekly, com o título “Má Escalação de Elenco”. A mudança mais flagrante foi alterar a nacionalidade de um dos belgas mais famosos do planeta: o Poirot dos filmes era inexplicavelmente parisiense.
“Lord Edgware Dies” tinha por base o romance “Treze à Mesa”, de Christie, e envolve uma atriz e socialite americana endinheirada (Jane Carr), que contrata Poirot para ajudá-la se se divorciar de seu obstinado marido, o lorde Edgware (C.V. France). Edgware não demora a concordar com o divórcio, mas em seguida aparece morto. Poirot, intrigado, investiga o homicídio. Filmes de detetive eram populares no começo da década de 1930, e o Poirot de Trevor parece dever muito a outros dos investigadores charmosos e bem apessoados da era, em particular os interpretados por William Powell em filmes como “A Ceia dos Acusados” e “The Kennel Murder Case”. As adaptações são adequadas, se bem que infiéis, mas é um alivio saber que a criação de Christie viria a ser retratada com mais fidelidade no futuro.
— 1974: Albert Finney
Entre outras virtudes, o retrato de Poirot por Albert Finney em “Assassinato no Expresso do Oriente”, de Sidney Lumet, em 1974, disponível no serviço de streaming Paramount+, é um grande feito de maquiagem e próteses: uma máscara que cobre praticamente todo o rosto de ator com o objetivo de tornar o esbelto Finney, 38, parecido com o robusto Poirot, em plena meia-idade. A adaptação de Lumet para um dos mais célebres livros de Christie é uma carta de amor da nova Hollywood à era dourada do cinema, com Finney comandando um elenco que inclui luminares como Ingrid Bergman e Lauren Bacall. Um drama de câmara que se passa em um trem, estruturado em torno de longas e loquazes cenas de interrogatório, o filme é uma aula de atuação ao modo clássico. (E, incidentalmente, a única interpretação de Poirot que valeu ao ator uma indicação para o Oscar.)
O Poirot de Finney é brusco e rígido, seu sotaque é forte e bruto, e sua voz é rouca. Embora personifique muitas das qualidades que caracterizam o original de Christie –astúcia, persistência, preocupação obsessiva com a própria aparência—, ele é mais sério e veemente, e esquadrinha as provas com severidade e grande intensidade, como um predador encurralando sua presa. O clímax do filme é explosivo, com Finney recitando suas conclusões sobre o caso em rimo frenético e intenso.
— 1978-1988: Peter Ustinov
O ator inglês Peter Ustinov interpretou Poirot meia dúzia de vezes, começando pelo magnífico “Morte no Nilo”, em 1978 (disponível em streaming no Criterion Channel). Seu Poirot é brincalhão, juvenil, até mesmo um pouco fantasioso. Ustinov o imbui de um ar leve e provocante, e encontra motivos de diversão latente até mesmo nos assuntos mais diabólicos. Os fãs que preferem Ustinov no papel tendem a responder ao seu imenso calor humano: ele tem um jeitão de avô que o torna instantaneamente querido, e também serve como uma forma inteligente de ocultar seu brilhantismo e sua perspicácia. O espectador mais ou menos espera que o Poirot de Finney descubra a verdade sobre as coisas, mas com Ustinov as deduções súbitas e penetrantes parecem mais surpreendentes.
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