Guy Fawkes – A Noite da Fogueira

O inspetor-chefe estava acompanhado por um homem maduro, pequeno, de testa larga e grandes bigodes à militar, que agora sorria consigo mesmo.
Très bien, Japp. Meus parabéns. Foi um belo sermão.
– Essa história de pedir dinheiro para fazer o espantalho do Guy Fawkes não passa de uma desculpa esfarrapada para mendigar – disse o inspetor, ainda indignado.
– Uma tradição interessante – refletia Hercule Poirot. Os fogos de artifício continuavam a explodir – bang, bang – , mas o homem e seu crime já foram esquecidos.
O detetive da Scotland Yard concordou.
– A maioria desses garotos nem sabe quem foi Guy Fawkes.
– E a confusão só tende a aumentar. Daqui a pouco vai haver quem não saiba se esses feu d’artifice de 5 de novembro celebram um dia de honra ou a vergonha nacional. Afinal, tentar dinamitar o Parlamento inglês terá sido pecado ou virtude? (Agatha Christie, Assassinato no Beco, Nova Fronteira/2005, pág. 7)

 

Guy Fawkes

Guy Fawkes

 

É engraçado, pensando agora, no quanto eu era desligada na adolescência. Li esse livro da Duquesa da Morte lááá aos 16 anos pela primeira vez. Depois vi mais uma referência em Jane Eyre quando tinha uns 17 ou 18 e não liguei um ao outro. Só muito tempo depois, quando Alan Moore jogou-me na cara em V de Vingança, é que fui me interessar por Guy Fawkes.

Guido ou Guy Fawkes era um católico inglês que participou da Conspiração da Pólvora em 1605, junto com outros 12 jovens. O objetivo era assassinar o rei protestante James 1º [sucessor de Elizabeth 1ª e filho de Mary Stuart ou Mary Rainha da Escócia, católica], ao explodir a Casa dos Lordes durante a Abertura do Parlamento. A Casa dos Lordes e a Câmara dos Comuns funcionam no mesmo local, o Palácio de Westminster.

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Rule, Britannia!

– Escute aqui, a que horas eu cheguei em casa ontem à noite?
– Lá pelas cinco, patrão.
– E… como é que eu estava, hein?
– Um pouco animado, patrão… mais nada. Disposto a cantar o Rule Britania.
– Que coisa incrível – disse Jimmy. – O Rule Britania, é? Não posso me imaginar cantando o Rule Britania nem mesmo sóbrio. Deve ter sido algum impulso de patriotismo latente provocado por… umas e outras. (O Mistério dos Sete Relógios, Ed. Record, 1987, pág. 77)

Rule, Britannia! é uma canção patriótica inglesa, muitas vezes confundida com o próprio hino nacional. Inicialmente era apenas um poema, composto pelo escocês James Thomson (1700-1748). Este poema foi musicado por  Thomas Arne e fazia parte da mascarada Alfred, que comemorava a ascenção do Rei George 1º, em 1740. Alfred referia-se a Alfred O Grande, rei anglo-saxão que comandou a nação contra os vikings, estabelecendo o ponto de partida da supremacia naval que a Inglaterra viria a dominar futuramente.

Dentre os artistas que musicaram seus versos encontram-se Handel, Bethoven, Wagner e Strauss. Suas palavras refletem o orgulho de permitir mais ingleses livres do que outras nações. Nesta época estavam a desenvolver o sistema de monarquia constitucional após a Declaração de direito de 1689, enquanto o continente europeu ainda vivia sob o absolutismo imperial francês. Inglaterra e França eram países arquiinimigos.

Rule, Britannia!
a song by Thomas Augustine Arne, 1740

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Humpty Dumpty

– Nosso anúncio é muito bom – observou ele, a cabeça pendendo para o lado. – Os Brilhantes Detetives de Blunt. Você percebeu, Tuppence, que você, e só você, é os Brilhantes Detetives de Blunt? Como diria Humpty Dumpty, isso é a glória para você. (Sócios no Crime, Ed. Record, 1987, pág. 53)

Humpty Dumpty

Embora muitos conheçam a figura de Humpty Dumpty do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll, a personagem oval é muito mais antiga: desde o século 15 Humpry Dumpty descreve qualquer pessoa baixinha e gordinha. A sua origem é creditada a um grande canhão usado na Guerra Civil inglesa (1642-1649), que ficava posicionado no muro da cidade de Colchester, perto da igreja de St. Mary. Este canhão era chamado pelos moradores de Humpty Dumpty.

Colchester defendia os Royalists, partidários de Charles 1º e Charles 2º. Uma bola de canhão disparado pelos Roundheads, partidários dos protestantes parlamentaristas liderados por Oliver Cromwell, acertou a torre da igreja, que caiu e abalou o muro e Humpty Dumpty caiu. “Todos os cavaleiros do rei” tentaram reerguê-lo, mas era um canhão muito pesado e não conseguiram. Os parlamentaristas tomaram Colchester depois de uma batalha que durou onze semanas.

Humpty Dumpty sat on a wall.
Humpty Dumpty had a great fall.
All the king’s horses and all the king’s men
Couldn’t put Humpty together again.

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Poirot, os ditados ingleses e Shakespeare

— Os trens são coisas implacáveis, não são, Monsieur Poirot ? As pessoas são assassinadas e morrem, mas eles continuam sempre o seu caminho. Sei que estou dizendo bobagem, mas o senhor sabe do que estou falando.

— Sei, sim. A vida é como um trem, Mademoseille. Continua. E isso é muito bom.

— Por quê ?

— Porque o trem sempre acaba chegando ao fim de sua viagem, como se diz, Mademoseille.

— ‘As viagens acabam em encontros de amantes’ é o que diz o ditado inglês. Para mim isso não vai ser verdade.

— Vai ser verdade, sim. Mademoseille é jovem, muito mais jovem do que pensa. Confie no trem, Mademoseille, pois é le bon Dieu quem o guia.

Novamente ouviu o apito.

— Confie no trem, Mademoseille — murmurou Poirot, novamente. — E confie em Hercule Poirot… — ele sabe.

(“O Mistério do Trem Azul”, páginas 296-297, tradução de Barbara Heliodora, Editora Nova Fronteira)

Procurando na rede encontrei, no site Aula Particular de Inglês, uma grande lista de ditados ingleses nesta seção, com a tradução em português.

No Google, encontrei a frase “As viagens acabam em encontros de amantes” como tendo sido escrita por Shakespeare. Buscando nas obras completas do famoso autor disponíveis na rede (http://shakespeare.mit.edu/works.html), encontrei a mesma na comédia Twelfth Night.:

O mistress mine, where are you roaming?
O, stay and hear; your true love’s coming,
That can sing both high and low:
Trip no further, pretty sweeting;
Journeys end in lovers meeting,
Every wise man’s son doth know.

A aranha e a mosca

– Faça o favor de entrar no meu salão, disse a aranha para a mosca. Essa é a sua pequena canção de ninar, não? (Os quatro grandes, Ed. Record, pág. 63)

A aranha e a mosca é um poema infantil da poeta inglesa Mary Howitt, publicado em 1829. A mensagem para as crianças é que elas devem tomar cuidado com estranhos. Lewis Carroll criou uma paródia deste poema em seu livro “Alice no País das Maravilhas”.

No blog StoryNory é possível fazer o download do poema declamado, em formato MP3, com 6MB. Infelizmente, não encontrei uma tradução.

The spider and the fly

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Three Green Bonnets

– Deixe-me ver… oh, sim, é o quarto de Mlle. Brun, a governanta francesa. Ela se esforça para educar minhas irmãs mais moças, Dulcie e Daisy, como naquela canção, sabe? Creio que teriam dado o nome de Dorothy May à próxima, mas minha mãe cansou-se de ter só meninas e morreu. (O Segredo de Chimneys, Círculo do Livro, pág. 128 )

Bundle Caterham refere-se à canção Three Green Bonnets, do compositor Guy d’Hardelot. A referência mais antiga que encontrei data de 1901, que é a data deste folheto ao lado. Uma nota curiosa: a canção era parte do repertório da soprano Nellie Melba, já citada anteriormente.

Lendo a letra da canção com cuidado, eu entendi porque não batizaram uma terceira filha com o nome Dorothy May – e confesso que chorei um pouquinho também. Infelizmente não encontrei o áudio para disponibilizar aqui no blog.

Crédito da imagem: Propriedade de Alex Hughes, que a adquiriu de uma senhora do Exército da Salvação em 2008. O folheto tem uma dedicatória datada de 1904.

Three Green Bonnets
Compositor: Guy d’ Hardelot [AKA Helen Guy]

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Babilônia

Quantas milhas até a Babilônia?
Três vintenas mais dez:
Posso chegar lá à luz da vela?
Sim, e voltar também. (Aventura em Bagdá, pág. 150)

Mother GooseEste poeminha faz parte de uma cantiga de ninar da série da Mamãe Ganso. A linha inicial (How many miles to Babylon?) também batiza o livro da irlandesa Jennifer Johnston, adaptado para filme de TV em 1982 com Daniel Day-Lewis, e uma canção do roqueiro Yngwie Malmsteen.

A cantiga infantil é citada em outras obras de literatura britânica como Deep Secret, de Diana Wynne Jones, e Stardust de Neil Gaiman (livro e adaptação para o cinema). Neste site pode-se ouvir a cantiga ou fazer o download do MP3.

How many miles to Babylon?
Three-score miles and ten.
Can I get there by candle-light?
Yes, there and back again.
If your heels are nimble and light,
You will get there by candle-light.

One two buckle my shoe

nursery1_16756_th.gifUm, dois, afivelo o meu sapato
Três, quatro, saio, puxo a porta e bato
Cinco, seis, tem gravetos pro meu ninho
Sete, oito, apanhados no caminho
Nove, dez, como é gorda essa galinha
Onze, doze, vou seguir por essa linha
Treze, catorze, vou ao parque namorar
Quinze, dezesseis, na cozinha a trabalhar
Dezessete, dezoito, esperei horas a fio
Dezenove, vinte, o meu prato está vazio… (Uma dose mortal, Ed. Nova Fronteira/2005)

Esta cantiga infantil parece não ter nenhum significado histórico ou oculto digno de nota, exceto o de ajudar as crianças pequenas a contar. Um equivalente brasileiro é o “um, dois, feijão com arroz”, já que a rima é com o número, não com a linha de cima…

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Jumbo e Alice

“Eu te amo” declarou-se Jumbo para Alice.
“Não acredito” para Jumbo ela disse.
Se me amasse, como diz que ama,
Pra América não iria, cá deixando sua dama. (Aventura em Bagdá, Ed. Nova Fronteira/2005, pág. 27)

Jumbo, o elefanteJumbo e Alice eram dois elefantes que faziam muito sucesso no Zoológico de Londres, na época da Rainha Vitória. Jumbo (nascido e capturado no Sudão) era tão famoso que inspirou o nome de uma enorme caixa d’água em Essex.

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Mary, Mary, Quite Contrary

Mistress Mary, quite contrary
How does your garden grow?
With cockle shells, and silver bells,
And pretty maids all in a row.
(Os Primeiros Casos de Poirot, Ed. Record/1989)

William Wallace Denslow’s rendition of the poem, 1901Uma cantiga infantil tão singela oculta uma história tão sórdida. Estamos de volta à Mary Tudor, à Blood Mary e seu reinado de perseguição religiosa nesta quadrinha que Poirot recita no último conto da coletânea Poirot’s Early Cases.

Existem no mínimo duas interpretações diferentes sobre os versos:

Mistress Mary, quite contrary refere-se talvez ao insucesso da Rainha Mary em restaurar o Catolicismo na Inglaterra;

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Carnaval & Commedia dell’arte

– Bem, as fantasias foram copiadas de um conjunto de estatuetas de porcelana que fazia parte da coleção de Eustace Beltane. Lorde Cronshaw era Arlequim, Beltane era Polichinelo, sua companheira Mrs. Mallaby era Pulcinela, o casal Davidson, Pierrô e Pierrete, e, naturalmente, Miss Courtenay era a Colombina. (Os Primeiros Casos de Poirot, Ed. Record/1989, pág. 9)

Harlequin and Pierrot, André Derain commedia dell’arte c.1924 Oil on canvas 175 x 175 cm

Para aproveitar o clima de carnaval que desfrutamos no Brasil neste momento, vamos falar de três personagens freqüentes nos salões: Pierrô, Colombina e Arlequim. As fantasias são conhecidas de quase todos: o Pierrô com suas grandes golas franzidas e pompons; o Arlequim com estampa de diamantes e seu gorro de pontas e guizos; e a Colombina com seu boné e saia curta, no meio dos dois. A representação do triângulo clássico, que no Brasil ganhou a releitura de Jorge Amado no romance “Dona Flor e Seus Dois Maridos”.

Segundo contam, Colombina é retratada como uma serva alegre, bonita, sedutora, inteligente e volúvel, par do Arlequim. O Arlequim também é um servo e talvez seja o precursor dos palhaços bufões, esperto, com uma aura sobrenatural, namorador. Pierrô, outro servo, é ingênuo, sentimental, o pai dos palhaços tristes e secretamente apaixonado pela Columbina.

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Old Mother Hubbard

– A propósito, só por curiosidade, o que o levou a chamar o dr. Bryant de dr. Hubbard há pouco?
– Palavra que não sei. Deixe-me ver… Ah, sim, acho que deve ter sido por causa da flauta. A cantiga infantil, sabe? O cão da velha mãe Hubbard… Mas quando ela voltou, ele estava tocando flauta. É esquisito como a gente confunde os nomes. (Morte nas nuvens, Ed. Nova Fronteira/2005, pág. 182)

Card art from an antique nursery rhyme card game.Desta vez a música não tem um papel importante na trama do livro: se não prestar atenção, pode-se passar batido. Mas, assim como em Three blind mice, em Old Mother Hubbard usou-se uma cantiga de ninar para contar um episódio histórico envolvendo personagens reais.

O Cardeal Wolsey, eminência parda do Rei Henry 8º (da dinastia Tudor e pai de Mary 1ª), era a autoridade máxima religiosa da corte inglesa. Na série The Tudors Continuar lendo

Three Blind Mice

Paula Rego Three Blind Mice, from Three blind mice. Three blind mice.
See how they run. See how they run.
They all ran after the farmer’s wife
She cut off their tails with a carving knife.
Did you ever see such a sight in your life
As three blind mice?

Quem leu A Ratoeira ou Três Ratos Cegos deve ter prestado atenção na música acima, cantarolada pelo mefistotélico Sr. Paravicini. Os mais impressionáveis devem mesmo ter pressentido o caráter lúgubre que imprimiu à história. E não foi sem razão! Continuar lendo